quarta-feira, 12 de março de 2008

9 - Quando a Let´s resolveu estudar

A Let´s é uma bibliotecária que não faz o tipo engajada na profissão, lê textos da área de Biblioteconomia só quando é preciso, quer dizer, raramente. Como profissional, executa as rotinas necessárias burocráticamente.
E foi depois de vinte anos de sua formatura, que desconfiou que era preciso atualizar-se na profissão, hoje chamada de Ciência da Informação! Bonito nome não?
Entre tantas disciplinas, escolheu uma de nome bem grande : Produção e recepção de informações documentárias no mundo contemporâneo, ministrada por uma professora pequenininha. Mas como tamanho não é documento, chegou à conclusão que tamanho de conhecimento é inversamente proporcional aos centímetros de altura de qualquer pessoa.
As aulas começaram e logo de cara teve que ler um texto sobre metadados, metainformação, Html, xml e formatos de banco de dados. Seus neurônios começaram então, a despertar preguiçosamente, mas era urgente!
A Let´s passou a fazer caminhadas para ver se oxigenava e arejava o cérebro, o tico até que tentou funcionar, mas o teco se fez de morto e como o tico e o teco andam juntos, não surtiu efeito.
Veio em seguida mais dois textos e a professora pediu uma resenha dos três textos. Aí ela já começa a se descabelar: traduzir-entender-resumir-escrever uma resenha numa tacada só. Negligenciou os afazeres da casa, as roupas sujas transbordaram no cesto, esqueceu do mamão da filha, dia sim dia não, comeu pizza ou pão. Mas Deus há de iluminá-la. Pediu a São Longuinho para encontrar as palavras certas e nada, mas tinha que entregar a resenha e escreveu uma coisa pastosa e sem graça. Desculpou-se a si mesma considerando que seus tico-e-tecos ainda estão se espreguiçando de um longo sono de vinte anos.
Na terceira aula a grande mestra distribui os seminários. A Let’s toda empolgada escolhe o primeiro, teria dois feriadões para ler 120 páginas em inglês, pensou: a língua pode ser um obstáculo, mas nada como um bom dicionário. O que não imaginava era o conteúdo daquele negócio.
No primeiro feriadão descabelou-se com a resenha, no segundo jurou que leria tudo, que ilusão brother! Viajou para a cidade onde seus pais moram, toda equipada de textos, dicionários, cadernos, rascunhos, canetas, réguas, marcadores de texto, só não levou o notebook, porque não tem mesmo.
Chegando lá pediu ajuda ao pai, que sabe muito bem a lingua inglesa. Ele leu dois parágrafos e perguntou: “Para que você está lendo isso? “ Explicou que era para atualizar-se na profissão e aos novos paradigmas da ciência. Falou difícil para impressionar e ele soltou um huumm.. leu mais um pouco:
- Puxa, que coisa complicada, mas pra que isto? Resolveu explicar o que era thesauro, mas pelo menos isso a Let´s sabia.
Diante da constatação que teria que se virar sozinha, meteu a cara no texto. Mas a sua mãe começou a contar as suas dores da osteoporose. A filha atenciosa tentou faze-la ver que precisava estudar, mas a progenitora respondeu: “Você veio aqui para cuidar de mim e não para estudar”.
- Putz mãe, você está com o pé quase na cova e eu ainda tenho mais quarenta anos pra sobreviver, preciso estudar!!! Não adiantou e teve que preparar o almoço.
Mais tarde, recebeu a visita do sobrinho que morou nos Estados Unidos por um ano. Correu para mostrar o texto e pedir a tradução da palavra aboutness, que não tinha entendido e estava em todos os parágrafos das cen-to-e-vin-te-pá-gi-nas. “
- Tia ness é a substantivação da palavra.
-?!
- Pra que você está lendo isso, tia?
Sem comentários....
A esta altura, o dia da apresentação estava chegando. Revoluções cerebrais iniciam um turbilhão, os neurônios tentam recuperar informações no bakground do Id, o Ego desconfia que aí tem coisa, os avós do tico e teco começam a dar sinais de vida, as conexões ainda estão mal feitas, curtos-circuitos relevantes explodem, o tico sacode o teco, a Let´s joga os cabelos pra lá e pra cá para ver se o cérebro pega no tranco, engata a primeira, mas a bateria ainda está fraca e o recal é zero.
Num ato de loucura, expulsa a filha do computador para formatar as idéias e organizar o seu sistema de pensamento. Passa a noite digitando e escreve uma massa amorfa desconexa. Lê, não gosta, pensa em milhões de hipóteses para falar no dia seguinte. Pensa: vai dar certo, vai tudo correr bem só tenho que falar do aboutness, do indexador inconsistente que entendo muito bem, do usuário orientado, ainda que eu continue desorientada, da relevância, da informação, dos dados, da recuperação, dos sistemas. Ufa! Respira fundo e vai dormir.
No dia seguinte constada que não tem leite e nem mamãozinho para o café da manhã.
- Filha, hoje só tem pão, esqueci de comprar comida.
- Tá bom mãe, mas o micro é meu, hoje a noite, né?
Chega a maldita hora do seminário e a Let´s vai lá pra frente, na mão o seu roteiro e o coração em disparada. Tenta explicar o maldito aboutness e percebe que todo mundo já sabe, tenta mudar de assunto e vê na feição da platéia alguns desinteressados e em outros, olhares como querendo dizer: “você não está falando nenhuma novidade, mas apoiamos, vamos lá Let’s o seminário vai dar certo”
A voz falha, a mão treme, se perde. O tico cai duro o teco congela, o cérebro congestiona, como São Paulo na segunda-feira de pânico e a Let´s joga a toalha. Sai de cena, cai o pano, cai a ficha, cai o tico e o desgraçado do teco, que nem levantou, continua se fazendo de morto.
E desde então, a professora a lembra que precisa se esforçar, tem que ler, escrever e teorizar em cima da teoria dos metadados dos sistemas de informação, para recuperar a informação ao usuário orientado pelas bibliotecárias desorientadas e inconsistentes, as time goes by, em formatos xml, html, marc, Dublin Core, that no one can denay.
Well, it´s still the same old story, este sistema to be retrieval or not to be retrieval, that´s the question!

21.05.2006.
Música acidental: As time goes by

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