quarta-feira, 12 de março de 2008

34 - O Tombamento do Rodison

Rodison era um menino pacato, sério, responsável e baiano. Depois da sua infância feliz nas ruas de Salvador resolveu tentar a sorte em São Paulo. Veio de mala, cuia e papagaio. Entrou numa renomada instituição superior para se tornar um grande filósofo, quem sabe um Platão sofístico.
Mas ele precisava arrumar um sustento, uma graninha para manter a sua charmosa barriguinha. Eis que presta um concurso e é selecionado para trabalhar numa biblioteca. Era tudo o que ele queria: trabalhar com livros e mais livros! Um paraíso recheado de mulheres, bibliotecárias com seus lencinhos, fichas e regras. Adão só teve uma mulher e o Rodison estaria cercado de várias!
O seu trabalho era fácil, consistia em tombar os livros, isto é, cadastrar num banco o número de entrada do livro, autor, título etc.
E os anos se passaram.... Rodison lendo Platão, Sófocles, Nietszche, Sartre, Chauí e um montão de livros. Na biblioteca ele ia tombando, tombando, tombando, tombando.
Como Chaplin em tempos modernos, o menino pacato, sério e baiano começou a mudar, não podia ver um livro na sua frente que queria tombar, carimbar, colocar um número!
Certa noite sonhou um sonho maravilhoso!!! A sua biblioteca particular de filósofos criou vida. Platão lhe sussurrou que deveria ser o número um da sua biblioteca, Sófocles escutando, gritou que ele era mais importante e portanto, o primeiro, Chauí chiou e exigiu a ordem alfabética, Nietszche em sua loucura determinou que deveria ser o ano da edição.
O menino baiano se contorcia na cama, resmungava e discutia com seus amigos as várias propostas.
Lá fora a noite chovia a cântaros, trovões e raios! Eis que um deles estourou em sua janela e Rodison despertou suando frio e aflito, correu para a cozinha para saciar a sua sede e ao retornar à sala, olhou bem para os seus livros na estante, sentou numa cadeira em posição de pensador e meditou como um bom filósofo.
- O que será que ele está pensando? Sussurraram os filósofos da sua estante.
De repente Rodison levantou com uma expressão no rosto de alívio, da certeza do que sabia o que iria fazer:
- OK! Vocês venceram! Vou tombá-los!
Foi um furdunço na estante.
- Silêncio! Que vou começar!
E num acesso catártico de Apolo, a catarse dos Deuses, começou a derrubar todos os seus livros no chão e gritava:
- Estou tombando todos vocês, hahaha! Todos ao chão....Tombo um, tombo dois, tombo três.
E assim o nosso menino responsável, sério, pacato e baiano estressou-se na nossa São Paulo.




Letícia 18/09/2002

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