quarta-feira, 12 de março de 2008

16 -Chá das cinco

Estamos em algum lugar do passado misturado com o futuro.
Eram 5 horas da tarde, uma linda mesa havia sido posta para servir o chá das 5. Sobre a toalha de linho branco, estavam as pratarias e o jogo de louças inglesas para servir o chá de jasmim, docinhos, bolinhos e camafeus. A futura diretora da biblioteca estava recebendo alguns ilustres convidados em sua casa, como por exemplo, um tal de Artigas, o Ramos de Azevedo, Raminho para os amigos, uma moça Lina, o Oscar e o jovem Othake.
Entre uma mordida e outra, um gole e outro, a nossa anfitriã soltou o verbo:
- Meu caro Artigas, já que o senhor ainda está desenhando a futura sede da Faculdade de Arquitetura, gostaria de dar umas opiniões, afinal em 2002, estarei como diretora da biblioteca e precisamos discutir alguns pontos....
Mas ela foi interrompida pelo amigo comunista, Oscar:
- Ao meu ver, está faltando um pouco de irracionalidade e imaginação, por exemplo, umas curvas femininas, uns peitinhos, umas ancas...
- Bah! Replicou Raminho. E o anfiteatro? O que você pretende com aquilo? Mais parece um porão!
O senhor Artigas não se conteve:
- E o seu teatro? da platéia não se enxerga nada! Quer coisa pior...
- Para mim está faltando uma cor, que tal um roxo ou lilás? E o nome da Faculdade em neón! Ficaria bárbaro - sugeriu o japonezinho Othake.
- Peraí gente, reclamou a bibliotecária, também loira e possivelmente econômica, estamos aqui para discutir coisas práticas e não as curvas e cores. E voltando-se para o autor do projeto: quero te avisar, pense bem como farás o banheiro para funcionário, pois sei o muquifo que será, um horror!
- Minha cara futura diretora, antes de mais nada, podes me passar os petit-fours? E continuou: agradeço os palpites, mas a minha intenção neste prédio é que qualquer tipo de manifestação seja ouvida em todos os cantos, qualquer som, qualquer palavra...
- Sim! A amplidão da liberdade! interrompeu Oscarzinho.
- Um vão mais que livre. - pensou a senhora Lina.
- Quero lembrar também que o prédio não oferecerá nenhum conforto térmico, aliás será uma enorme geladeira e nos obrigará a usar luvas de dedos de fora para trabalhar. A gente fica parecendo mendigo de filme europeu, outro horror!
Os convidados arregalaram os olhos! E Ela continuou:
- E tem mais, acho bom o senhor aumentar a área da biblioteca, afinal todos os projetos que vocês farão eu terei que dar conta da preservação, principalmente o seu, meu querido amigo Ramos.
- Mas o projeto já está pronto! E foi aprovado em todas as instâncias, não posso mudar mais nada.
- Então mude o sol de lugar, sugeriu Othake com um riso irônico.
Acontece que todas aquelas opiniões já estavam deixando o Senhor Artigas nervoso, ele pediu licença para ir ao banheiro e durante este período os outros convidados continuaram a confabular, criticar e a fazer tititi. Ao retornar o Artigas pediu silencio:
- Meus caros amigos, enquanto estive fazendo as minhas necessidades, cheguei a seguinte conclusão: vou inverter o prédio, assim o sol incidirá na biblioteca, pensarei num banheiro decente, na fachada colocarei uma escultura em néon cheia de curvas. Então até logo que tenho muito a fazer.


Se este encontro memorável aconteceu ninguém sabe.
Se aconteceu, o arquiteto não acatou nenhuma sugestão.
Se não aconteceu, teria sido bom se tivesse acontecido. Deu pra entender?

Letícia 1/10/2002

Nenhum comentário: