domingo, 29 de junho de 2008

Janelas vizinhas

De repente a gente descobre que a nossa vida está sendo invadida por olhares estranhos. Não de câmara de segurança, que já nos acostumamos, mas de olhares vizinhos, vizinhos das janelas do meu apartamento. Onde quer que eu vá, meu quarto, quarto da minha filha, sala, sempre haverá a possibilidade da minha intimidade estar sendo invadida por um olhar. Um olhar azul? Verde? Castanhos? Olhares jovens? Olhares idosos?
Numa distância de uns 200 metros, creio, pois não sei quantificar ao certo a distância, alinha-se um prédio baixo de 4 andares, com duas sacadas voltadas para o meu prédio. A pesar de eu estar no sétimo andar, a impressão que tenho é que estamos alinhados frente a frente.
No terceiro andar mora um gordo, que todas as manhã sai na sacada, acho que é para sentir o clima e decidir a roupa que vai vestir. O seu interesse porém, não é a minha janela, pois sempre o vejo com o rosto voltado para as janelas das Ligas das Senhoras Católicas, onde moram moças de fino trato.

Todas as manhãs sofro na minha decisão do “com que roupa eu vou”.
Depois do meu café da manhã de pijama e ler o jornal, tomo o banho e inutilmente vou calculando a roupa, os sapatos, o casaco, a bolsa, o batom, bijous e perfume que vou colocar, porém invariavelmente o que planejo não combina com o humor do dia. Aí começa o meu desespero, os minutos se passam, o rádio vai repetindo as horas e me pego afobada pondo e trocando a calça por uma saia, a camiseta por uma blusa, o sapato por um tênis, troco tudo de novo e as roupas vão saindo do guarda-roupa e sendo empilhadas na cama já desarrumada. A minha ira cresce, pois o quarto cada vez mais vai ficando uma zona.
Quando chego a um acordo da roupa e dos sapatos com o estado de espírito do dia, perco mais alguns minutos enfiando o que restou das peças não escolhidas no guarda-roupa. Batom, perfume, trocar de bolsa? NÃO! Nem pensar, isto significa mais minutos perdidos na minha vida. Um amigo meu, sugeriu que abrisse a janela, que a luz do dia facilita a escolha da roupa. Mas com o meu vizinho gordo, abrir a minha veneziana, nem pensar! Sei que o seu interesse não sou eu afinal, já passei dos quarenta e nada mais está firme como nos meus 20 e 30 anos, mas mesmo assim, não em sinto segura seria como a sua respiração no meu cangote. Talvez trocar a lâmpada por uma mais forte, melhor seria comprar roupas novas.

Hoje é sábado, saí da cama às 8.30 h. e ao levantar a minha veneziana, constatei que as portas das sacadas do apartamento do gordoto ainda estavam fechadas. Dormindo?, pensei. Hoje é sábado e geralmente acordamos mais tarde.
Tomei o meu café, lavei a louça, voltei à sala e as portas continuavam fechadas. “a balada foi boa ou o gordo é dorminhoco?”.
Voltei aos meus afazeres de sábado: lavar roupa, arrumar armário, falei com minha mãe pelo telefone que me alertou que já era hora de fazer o almoço. Instintivamente olhei para o prédio vizinho. Tudo fechado, inclusive o segundo andar, no primeiro nunca vi ninguém. Gordo viajou? E a moçada do segundo, onde estarão? Lembrei então, que neste andar, moravam duas moças e um rapaz que costumavam ficar de roupas íntimas pela casa com as portas escancaradas até durante a noite. Saber que eles andavam de cueca e calcinha a qualquer hora do dia não é culpa minha, afinal eles é que deixavam as portas abertas, é também o que me fez deduzir que o apartamento deve ser um forno e que por isso, o gordo saia na sacada todas as manhãs para refrescar o corpo e não para devastar as janelas das moças de fino trato.
Mas onde estarão os três pelados? Era divertido ver a moçada pela janela, era como assistir um filme sem fala da vida cotidiana. Um big brother gratuito. Certa noite, uma sexta-feira, dia de balada, eu estava trabalhando no meu micro e ao dar uma pausa para o pensamento fluir, percebi os três indo e vindo de um cômodo ao outro. Por vezes, alguém sumia por uma porta ao fundo. Fiquei olhando para tentar descobrir o que acontecia. Até aquele momento não sabia quem morava lá. Podia ser uma república de moças e o cara estava visitando.
Será que vai rolar uma festa? Tem uma no telefone... estão combinando um programa ou um convidado está perdido? O rapaz some uma moça mexe na cômoda, faz o gesto de colocar o brinco na orelha. A outra desliga o telefone... passa para o outro cômodo e fala com a amiga, o rapaz reaparece... vão os três para o cômodo da esquerda e abrem a porta, creio que de saída. Uma volta e pega a bolsa. Beijam-se como uma despedida. O casal some e fica uma moça. Ué? Ela não vai para a balada? Volta e pega o telefone. Ah, rá! está combinando um programa com outra pessoa, desliga e some, mas não apaga as luzes. Volto a me concentrar no meu micro. Minutos e horas se passam, quando a minha curiosidade volta o meu olhar para o segundo andar as luzes estão apagadas, mas a s portas continuam abertas. Elas não têm medo de bicho entrar, de uma baratinha voadora invadir o seu espaço? São umas loucas!

Somente hoje me dei conta que a turma não está morando mais no segundo andar. No meio da tarde vi as portas abertas e percebi que o apartamento estava vazio. Havia dois rapazes, será que serão os novos moradores? Acho que estão fazendo faxina ou pintando o apartamento, não deu para perceber ao certo. Ficarei de olho, amanhã chegarei a uma conclusão, tudo dependerá se as portas estarão abertas. O gordo ainda não voltou.

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